Poder, mérito e riqueza

Eu mereço tudo de bom

 


 

 

Reflexão. Merecer tudo de bom é uma boa crença?

Merecer tudo de bom é quadro esperado para um infante. É natural uma criança entrar no mercado ou numa loja de brinquedos e, a princípio, desejar tudo que vê. E, com o tempo, aprende a selecionar, a reconhecer seus limites, a ter foco também. Mas nem todas. Há cada vez mais adultos que defendem a máxima: mereço tudo de bom!

Desejar tudo de bom é quadro patológico e pode resultar em depressão.

Ninguém poderá comer tudo de bom, morar em todos os lugares bons, ter todas as pessoas boas por amigos, frequentar todas as boas noitadas e festas. TUDO é algo muito, muito amplo. O mundo todo é apenas parte de tudo, ínfimo planeta no universo.

Pense numa educação que ensine que merecemos TUDO de bom. E que as crianças acreditem. Teremos uma geração ávida por sucesso, por reconhecimento, consumista de tudo, sem limites, basta que SEJA BOM. As coisas desejáveis, não o desejante.

Tudo de bom sempre é muito mais do que temos, muito mais do que podemos consumir, muito mais do que podemos aproveitar. Tudo que temos sempre é pouco, é pequena parcela do todo, afinal são quase oito bilhões de pessoas no mundo. E mesmo que tudo que eu tenho fosse muito bom, sempre pode ficar melhor. O pensamento ou desejo eu mereço tudo de bom nos levaria, se realmente investirmos e acreditarmos nele, a uma eterna insatisfação com o que temos.

Ter parentes que sejam todos bons? Cônjuge que seja tudo de bom? Salário perfeito? Horário e local de trabalho também? Pais, filhos e amigos tudo de bom, que nunca nos aborreçam? Amigos e conhecidos que nunca sintam inveja e nem sejam eventualmente desagradáveis? Nem com as mães, que geralmente nos dedicam muito de si, ficamos sem cobrar ou desejar algo para que a consideremos uma boa mãe.

Nem tudo é tão bom na vida a dois, tampouco as vicissitudes de uma família ou as preocupações da criação de filhos. Tudo de bom é complicado para quem assume uma família, neste pacote vem muitas preocupações, dificuldades, limitações e desgostos – e nem sempre o saldo será positivo, quiçá tudo de bom. Esperar tudo de bom é caminho certo para o desgosto, a depressão e o sofrimento psicológico.

Uma mente que deseja tudo de bom e apenas boas coisas, inclui o poder máximo. Sim, o poder é uma das coisas que mais recebe esse adjetivo: coisa boa. Ora, os poderes e direitos acabam onde começam os dos outros, sempre dizia minha avó. Como ter tudo e ainda ter limites e respeito? Ter respeito inclui saber que não pode desejar tudo, que compartilhamos coisas. Portanto não teremos tudo. Nunca.

De certa forma todos sabemos disto. Na verdade, nossa capacidade de ter uma casa, fazer uma viagem, conhecer pessoas é bem limitada considerando o número de boas casas, lugares bons para visitar e boas pessoas para conhecer. Afinal somos cerca de oito bilhões de pessoas no mundo hoje. Uma boa casa, linda viagem, agradáveis amigos existem, mas não são tudo, são uma parca, agradável e suficiente seleção entre muitas outras possibilidades. E eles também precisarão de ajuda ou manutenção. Tudo de bom nunca serão.

Se deixamos nossa mente e espírito na sensação de que merecemos tudo de bom, teremos, sem dúvida, períodos alternados de ansiedade, angústia e depressão. Ansiedade aguardando esse tudo se concretizar, angústia ao percebermos que somos limitados e depressão nas fases em que a realidade falar mais alto.

Quanto mais uma pessoa acredita na máxima mereço tudo de bom, mais ela se aproxima de um quadro patológico, o megalomaníaco. A sanidade de uma pessoa está relacionada à consciência de seus limites. Portanto quanto mais uma pessoa acredita e se envolve com a máxima em epígrafe, maior o risco de desenvolver o quadro patológico e se tornar um megalômano.

Ah, que pena das crianças...

Mas é só simbólico, diriam alguns

Normalmente, durante reunião com este assunto, alguém pondera: mas é só modo de falar. Engana-se quem pensa assim, nunca é só modo de falar, é uma crença, um pensamento aparentemente possível, quase que natural. Ao acreditarmos numa crença, nosso inconsciente se envolve com ela. Nunca fica apenas no campo das ideias, nunca é só simbólico. Reações e expectativas são esperadas e virão, não se engane!

Não tenho essa expectativa...

Repetimos a crença sabendo que ela é falsa. E, quando confrontados com a perniciosidade, nos desculpamos: não penso assim, não tenho essa expectativa... De novo: somos imunes aos nossos pensamentos? Ilude-se quem diz que tem aquela expectativa.

Que praticidade tem esse pensamento?

Imagine alguém que acredite merecer tudo de bom. Já imaginou passar a vida inteira querendo algo e, só no fim da vida, perceber que não vai conseguir? Pessoalmente conheci muitos jovens que acreditaram nisto e ainda na juventude ou na meia idade, sentiram o peso desse desejo: estão sempre ao lado ou no próprio quadro depressivo. Tudo é muito. Desejar tudo para si, o controle total ou o poder sobre tudo, é natural em certa fase da infância. Enquanto adulto, indica problemas: déspotas, depressivos, abusos, crimes. Sim, crimes. Um estuprador sempre acredita que merece tudo que deseja, assim como o corrupto, o ladrão, o machista e o racista.

Então fica a pergunta: por que nossa cultura (mídias, locais religiosos e ambientes educacionais) tanto reproduzem estas máximas: mereço tudo de bom, tenho o direito a tudo de bom, Deus quer tudo de bom para mim, posso tudo o que eu quiser?

E cada vez mais pessoas caminhando para a megalomania e para a depressão.

Ponderação

Que fique claro que não estamos discutindo se somos merecedores ou não de bem-estar, felicidade, valor, reconhecimento e tudo de bom. Sabemos que seria muito bom se todos nós tivéssemos tudo isto. Creio que todos concordamos com a bandeira – todos devemos ser valorizados. O que estamos refletindo é sobre o caráter nebuloso, engessante, infantil e falacioso dessa máxima: mereço tudo de bom! Pensamos que defende nossos interesses, mas, de fato e nebulosamente, estimula e justifica o egoísmo, o egocentrismo, a preguiça, abusos de forma geral e até alguns crimes. Além de facilitar a depressão e a ansiedade. A quem interessa?

 

Voltar à relação de reflexões com o tema poder e riqueza.

Narrativas Nebulosas.

Módulos do grupo de estudos.

 

 


IBTED

(21) 99187-3020 – (21) 97720-9407 [email protected] 

Sociais: facebook/ibted     facebook/robertohaddad.ibted